28 de outubro: A agonia de Doha

“Hoje é Dia de Cultura Japonesa!” – Capítulo 71

O dia 28 de outubro de 1993 ficou marcado na memória dos japoneses que viveram aquela época como o Dia da Agonia de Doha (ドーハの悲劇, Doha no Higeki, leia-se riguequi). Este foi um dos acontecimentos mais emblemáticos da história do futebol japonês.

Neste dia aconteceu o jogo Japão x Iraque, valendo pela última rodada da fase final das Eliminatórias Asiáticas para a Copa do Mundo de 1994. Na época, o Japão nunca havia se classificado para uma Copa do Mundo. Na fase final, todos os seis países classificados (Japão, Arábia Saudita, Coreia do Sul, Iraque, Irã e Coreia do Norte) se enfrentariam em partidas únicas. Na época, apenas os dois países com melhor desempenho nesta fase carimbariam seus passaportes para a Copa.

Todas as partidas da fase final foram realizadas em Doha, capital do Catar, país que sediará a próxima Copa do Mundo, em 2022. Seria um torneio de “tiro curto”, com cada seleção jogando cinco partidas cada entre 15 e 28 de outubro. Por ser realizado no Oriente Médio, Japão, Coreia do Sul e Coreia do Norte, ainda enfrentariam o fuso horário, o clima e a torcida adversos.

O Japão começou mal a campanha, empatando em 0 x 0 com a Arábia Saudita e perdendo para o Irã, por 2 x 1, caindo para a última colocação. Após recuperar-se com uma vitória de 3 x 0 sobre a Coreia do Norte, o Japão jogou a vida contra a poderosa rival Coreia do Sul e venceu por 1 x 0, gol de Kazu (Kazuyoshi Miura), o carismático atacante japonês que chegou a jogar em clubes brasileiros como Santos e Coritiba. Foi a primeira vitória da história da seleção japonesa sobre os “Tigres da Ásia”, em eliminatórias asiáticas para a Copa ou para as Olimpíadas.

O Japão chegou à última partida na liderança com 5 pontos, mesma pontuação da Arábia Saudita, que tinha saldo de gols inferior. Coreia do Sul, Iraque e Irã estavam empatados com 4 pontos, e a Coreia do Norte, eliminada. Naquela época, cada vitória valia 2 pontos (atualmente são 3). Se o Japão vencesse a última partida, estaria classificado. Se perdesse, estaria eliminado. Se empatasse, dependeria dos outros resultados.

A partida do destino Japão x Iraque aconteceu em 28 de outubro, no Estádio Al-Ahli, com predominância de torcedores iraquianos. O Iraque teve 3 dias de descanso após a partida anterior no dia 24. O Japão só teve 2 dias após o duelo contra a Coreia do Sul, pois o jogo foi no dia 25.

O Japão abriu o placar logo aos 5 minutos do 1° tempo com Kazu, defendendo a vantagem até o intervalo. No 2° tempo, o Iraque empatou e passou a ter domínio do jogo, pois o Japão começou a mostrar cansaço. Como a Arábia Saudita e a Coreia do Sul estavam vencendo seus jogos, a vitória se tornou condição obrigatória para o Japão. Aos 69 minutos de jogo (24 minutos do segundo tempo, na contagem brasileira), o atacante Nakayama colocou o Japão na frente no placar: 2 x 1.

O Japão aguentou bravamente a reação dos “Leões da Mesopotâmia” por aproximadamente 20 minutos, mas no final da partida, o Iraque partiu para o contra-ataque, que a seleção japonesa impediu, cedendo o escanteio para os iraquianos.

Era o fim do tempo regulamentar. Só restavam os acréscimos. Após cobrança curta do escanteio, o Japão permitiu o cruzamento à área e o atacante Jaffar Omram Salman desviou de cabeça. A bola foi entrando dramaticamente no lado direito do goleiro Matsunaga.

Os jogadores japoneses desabaram naquele instante, com o balde de água fria que significaria a perda da primeira classificação do Japão para a Copa do Mundo, que estava muito, muito perto. Uma mão e quatro dedos na vaga, como diriam os brasileiros. A partida recomeçou e, logo em seguida, o árbitro decretou a eliminação do Japão com o apito final. Resultado final: Japão 2 x 2 Iraque.

Mesmo sendo uma madrugada de quinta para sexta, a audiência televisiva foi de 48,1% na TV Tokyo. Já era dia 29 no Japão quando a partida terminou. As seleções da Arábia Saudita e Coreia do Sul garantiam a vaga para a Copa de 1994 nos Estados Unidos, que terminaria com o Brasil conquistando o tetracampeonato.

Se os japoneses chamam este acontecimento de “Agonia de Doha”, ou “A tragédia dos acréscimos” (ロスタイムの悲劇, losstime no higeki), para os coreanos, foi o “milagre de Doha”, pois os tigres asiáticos dependiam deste gol iraquiano nos acrescimentos para obterem a vaga.

Entre alguns jogadores que fizeram parte da seleção japonesa nestas eliminatórias, podemos citar alguns conhecidos pelos fãs brasileiros, como o brasileiro naturalizado japonês Ruy Ramos (ラモス瑠偉), Hajime Moriyasu (森保一), atual técnico da seleção japonesa, e Yasutoshi Miura (三浦泰年), irmão de Kazu, que tem participado de diversos eventos no Brasil, como palestras na Japan House de São Paulo.

Em 2011, o Japão venceu a Copa da Ásia, conquistando o quarto título nesta competição, jogando 5 das 6 partidas em Doha, superando simbolicamente o trauma. Em 2013, o Japão, já classificado para a Copa de 2014 no Brasil, enfrentou o Iraque mais uma vez em Doha pela última partida das Eliminatórias e, desta vez, venceu por 1 x 0, com gol de Okazaki, no final da partida.

No Japão é comum apelidar momentos históricos com títulos dramáticos. 4 anos após a “Agonia de Doha”, o Japão finalmente conseguiu se classificar pela primeira vez para uma Copa do Mundo, vencendo o Irã por 3 x 2 na prorrogação, com “gol de morte súbita” (a prorrogação se encerra no momento que um dos times marcar um gol). Este evento é chamado de “o Júbilo de Johor Bahru” (ジョホールバルの歓喜). Desde então, o Japão participou de 6 copas consecutivas.

Existem outros como o “Milagre de Berlim” (ベルリンの奇跡, Berlin no Kiseki) de 1936, quando a seleção japonesa venceu a favoritíssima Suécia por 3 x 2 nos jogos olímpicos de Berlim; o “Milagre de Miami” (マイアミの奇跡), quando a seleção olímpica japonesa venceu o Brasil que contava com Ronaldo Fenômeno, além dos veteranos Bebeto, Rivaldo e Aldair, por 1 x 0, com gol do voltante Ito, após trombada de Aldair no goleiro Dida. Já o título do Liverpool (Inglaterra) na UEFA Champion’s League de 2004/5 após começar perdendo a partida para o Milan (Itália) por 3 x 0, é conhecido como o “Milagre de Istambul” (イスタンブールの奇跡).

Existem exemplos tristes como a “Tragédia de Heysel” (ヘイゼルの悲劇, Heysel no Higeki), quando houve confronto entre torcedores (hooligans) de Liverpool e Juventus (Itália) antes da final da Taça dos Clubes Campeões Europeus de 1984/5 resultando em 39 mortos e mais de 400 feridos.

Entre os resultados decepcionantes para os brasileiros, o “Maracanaço” de 1950 é chamado pelos japoneses de “マラカナンの悲劇” (Maracanã no Higeki). Já o 7 x 1 sofrido para a seleção alemã em 2014 é conhecido como “ミネイロンの惨劇” (Mineirão no Zangeki, tragédia ou humilhação do Mineirão).

 


 

Veja também nossos artigos anteriores:

17 de julho – Nadeshiko Japan (Capítulo 3)

28 de julho – Captain Tsubasa (Capítulo 9)

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