Conheça a redação vencedora do Concurso de Redação Comemorativo aos 60 Anos da Aliança

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A Comissão Julgadora do Concurso de Redação Comemorativo aos 60 Anos da Aliança Cultural Brasil-Japão, divulga o melhor trabalho, escrito pelo aluno André Mitsuyoshi Oura, que atualmente cursa o nível Intermediário (Hikari), e receberá como prêmio uma passagem de ida e volta ao Japão, oferecida pela Fundação Kunito Miyasaka. Os trabalhos tiveram o tema “Aliança Cultural Brasil-Japão – 60 Anos  O Início de um Novo Ciclo”, homenageando a celebração dos 60 anos da entidade.

Concurso Comemorativo 60 Anos da Aliança Cultural

Brasil-Japão

O início de um novo ciclo

Setembro/2016

Título: Carta ao estudante do futuro

Autor:  André Mitsuyoshi Oura

Olá, leitor. Este texto, em confessa inspiração machadiana, foi escrito para você, estudante da língua japonesa do ano de 2076. Correto, 2076! Quem vos escreve também é um estudante do idioma nipônico, mas do ano de 2016, em função das comemorações dos 60 anos da Aliança Cultural Brasil-Japão. Pois é, se todos esses números estiverem corretos, nossa escola estará completando para você, leitor do futuro, 120 anos!

“E cruzam-se as linhas

no fino tear do destino.

Tuas mãos nas minhas.”

As 3 linhas acima formam um haicai, chamado “Romance”. Haicai é um estilo de poesia, popular no Japão, especialmente no século XVII. Em formato de versos de 5, 7 e 5 sílabas poéticas, ou sons, respectivamente, o haicai valoriza a concisão e a objetividade. O autor desse haicai, um sonhador: o advogado, jornalista e poeta Guilherme de Almeida, um dos precursores da introdução desse formato literário na língua portuguesa e, talvez, um dos mais famosos. Recebeu o título de Príncipe dos Poetas Brasileiros. Esse entusiasta da cultura nipônica e da arte, um dia, sonhou. Sonhou em promover o intercâmbio cultural entre o Brasil e o Japão. Estava criada a Aliança Cultural Brasil-Japão, no ano de 1956. Mas (provavelmente) nem nos sonhos mais ambiciosos dele e dos que o ajudaram a materializar esse empreendimento estaria esboçado que essa instituição se tornaria uma das maiores escolas de língua do país, a maior na língua japonesa, e uma das maiores difusoras da cultura nipônica no Ocidente.

Se minhas expectativas estiverem corretas, os tradutores instantâneos já farão parte da realidade em 2076, e não haverá limitações nas comunicações entre pessoas de diferentes países e línguas, especialmente nas situações profissionais e de turismo. Dessa forma, concluo que essa escola terá superado o que considero um grande desafio potencial: continuar atraindo alunos para cursos de idiomas numa época em que as diferenças linguísticas não serão restritivas. Estará estudando o caro leitor simplesmente pelo prazer de fazê-lo. Pela satisfação em conhecer uma cultura milenar tão diversa e distante, e ao mesmo tempo tão próxima da brasileira. Entender os “animes” e “doramas” em seu original, sem legenda e sem dublagem. Curtir os “j-pops” e “j-rocks”. Em 2016, apesar de vivermos a evolução tecnológica que está nos tornando mais globais, os tradutores ainda são muito primitivos, e para uma comunicação mais efetiva em diferentes línguas, neste momento, a alternativa mais viável é o aprendizado da própria língua.

Entretanto, permita-me acreditar que o ensino de idiomas em 2076 será muito diferente do que é em 2016, assim como tem sido muito diferente do que era há 60 anos. Hoje ainda sentamos em uma sala de aula, às 7h da manhã, onde permanecemos por mais de 3 horas. Mas existem, sim, muitos recursos que não existiam alguns poucos anos atrás. Os áudios são ouvidos de um arquivo digital gravado em um notebook, que permite ao professor interromper, repetir e avançar de forma muito rápida o trecho que pretende reproduzir. Pode parecer estranho para você, leitor do futuro, mas não se passaram tantos anos em que, para esses fins, eram utilizadas as chamadas fitas cassetes, que talvez você consiga encontrar em algum museu. Eram fitas em que os áudios, os diálogos, as músicas, as leituras dos textos eram registrados de forma magnética, e precisavam rodar em um gravador para reproduzir o som. Os professores precisavam rebobinar a fita para frente e para trás o tempo todo, sendo quase impossível achar na primeira tentativa com precisão a posição desejada do áudio. Os que lembram, certamente não sentem saudades.

Outros equipamentos bastante comuns nos dias atuais são o quadro branco e o projetor. No quadro, o professor consegue escrever e desenhar aleatoriamente conforme a necessidade da aula, utilizando-se de diversas canetas coloridas. E no projetor, apresentar os slides preparados previamente em um Powerpoint com o conteúdo da aula. É muito didático ver a animação com a forma e a sequência da escrita de um kanji em tempo real na tela, feita em computador. Sei o que você está pensando neste momento. Imagino que vocês, no futuro, utilizem realidade virtual e realidade aumentada na sala de aula, conseguindo imergir e interagir como se estivessem no Japão, conversando com os japoneses, andando por Shinjuku, Asakusa. Mas esse negócio de realidade aumentada, para nós, por enquanto, só funciona nos joguinhos de Pokemon Go do telefone celular. Lembro que em 2016 ainda utilizamos livros, de papel, feitos de celulose, de árvores. Livros impressos surgiram há 5 séculos e ainda são utilizados tanto em salas de aula como em diversas outras situações de transmissão de conhecimento. Muitos anunciaram prematuramente sua substituição pelos e-books, mas eles resistem. Será que em 2076 os livros ainda perdurarão? Difícil prever.

Procure informações sobre os instrumentos de ensino dos anos 1900, e encontrará o chamado quadro-negro (de cor verde, na verdade) ou lousa. O professor escrevia sobre o quadro utilizando um pedaço de giz, feito de calcário. Aquele som do giz riscando o quadro me provoca arrepios até hoje, só de lembrar. Isso sem considerar o pó que se espalhava pela sala de aula, quando as anotações eram apagadas do quadro. Essa  foi outra experiência que não deixou saudades.

Algumas evoluções foram tão rápidas (ou tão mais rápidas) que se sobrepuseram às anteriores, sem que tivéssemos a oportunidade de usufruí-las em sua plenitude. Muito comum no Japão, e para alguns poucos estudantes brasileiros mais abastados, o dicionário eletrônico de japonês teve a sua era. O equipamento, que parecia uma calculadora de bolso turbinada, facilitava muito a tradução dos kanjis. Foi sonho de consumo de muitos estudantes de japonês no Brasil. Mas a tecnologia demorou tanto a chegar e se popularizar neste país, que foi tragada pelos aplicativos de tradução para smartphones e tablets. Desse modo, nossos dicionários mais camaradas estão, hoje, em nossos bolsos. Os melhores ainda estão em papel, mas a facilidade dos smartphones se sobrepõe às suas limitações, e seu uso se populariza exponencialmente entre os estudantes. Devo confessar que os smartphones, ainda timidamente e sempre que autorizados, também começam a substituir o caderno. Uma foto do quadro é muito mais prática que a anotação no caderno, diria o aluno mazanza.

Apesar de todas as mudanças, evoluções e adaptações, certamente alguns pontos continuam os mesmos. Eu gostaria de testemunhar o futuro do aprendizado dos kanjis.   Esse estudo poderia se comparar à pedra que Sísifo empurrava ao cume da montanha. Próximo do topo, ela rolava para baixo, exigindo contínuo e incessante esforço para carregá-la novamente, assim como nós repetidamente aprendemos e esquecemos, aprendemos e esquecemos os ideogramas, e nos esforçamos para lembrá-los quando deles precisamos. Memória de curto prazo, memória de longo prazo, flashcards, ankidroid, são algumas das muitas técnicas utilizadas para reter as centenas, os milhares de caracteres que aprendemos ao longo da nossa jornada estudantil. “Como era mesmo aquele kanji que eu aprendi no semestre anterior? Está na ponta da língua. É tão parecido com aquele outro…” Será que daqui a 60 anos terão criado métodos mais eficientes de memorização? Espero que sim, porque hoje, em 2016, assim como há 60 anos, continua difícil. Os alunos sabem, os professores sabem. E, pelo que me consta, até os falantes nativos sabem. Sabem não só os kanjis, mas também quão difícil é aprendê-los.

Outro aspecto muito diferente da língua japonesa em relação à portuguesa são os numerais. Em japonês, contar maçãs é diferente de contar canetas, e assim vai. Fico me perguntando se, quando criaram essas particularidades numéricas no Japão, alguns milhares de anos atrás, havia falta de coisa melhor para fazer. Devaneio que a língua poderia evoluir, e os numerais pudessem ser simplificados, unificados, facilitando a vida de nós, os meros estudantes. Mas resigno-me. Uma cultura milenar que sobreviveu a tragédias, guerras, revoluções, não se renderá a um estudante pouco devotado.

E dentro do processo de aprendizado de uma língua, assim como em qualquer outro assunto a ser formalmente aprendido, eu não poderia deixar de citar, caro leitor do futuro, o temido, o impronunciável, o que preferiríamos deixar para outra oportunidade: o exame. Ao longo dos muitos anos, e provavelmente esse processo se manterá no futuro, somos submetidos àquele instrumento que avaliará se aprendemos o suficiente neste módulo para estarmos aptos a acompanhar o próximo. Não só na escola, como também nos exames de proficiência, que para os estudantes de japonês se resumem a 4 letras: JLPT (Japanese Language Proficiency Test ou Exame de Proficiência em Língua Japonesa). Estará o estudante do futuro liberto desse ritual? Provavelmente não. Mas também não me surpreenderá se daqui a 60 anos, quando meus netos estiverem estudando japonês com você, ainda manterão o péssimo hábito de deixar para estudar na véspera da prova. A prova é amanhã? Opa, é melhor começar a estudar. É como uma força da natureza que sabemos que existe, sabemos como evitar, mas não o fazemos.

E, aqui, insiro outra das minhas preocupações com o ensino em geral. Os jovens, as novas gerações, cada vez mais imediatistas, tendem a se esquivar das coisas difíceis, que exigem esforço, especialmente os esforços contínuos e de longo prazo. As disciplinas que não forem obrigatórias terão que buscar o equilíbrio entre um curso fácil o suficiente para não desmotivar o jovem, e, ao mesmo tempo, difícil o suficiente para garantir a qualidade do ensino. Esse balanço, eu prevejo que seja outro grande desafio das escolas no futuro, especialmente porque tende a ser tornar mais complexo.

Razões, métodos e dificuldades no aprendizado da língua japonesa à parte, a cereja do bolo para o estudante de japonês é visitar o Japão. Utilizar “in loco” a língua aprendida e exteriorizar todos os anos de dedicação e estudo. Experiência que, no meu entendimento, não pode ser transcrita nos livros, descrita pelos professores, assistida nos vídeos, nem vista nas fotos. Mesmo quando pudermos fazer da realidade virtual um instrumento pedagógico, nada se comparará à experiência da viagem para o local onde se fala nativamente o idioma, sentir o cheiro do ambiente, ouvir os sons característicos, diferenciar a temperatura e a umidade entre as diferentes regiões. Ouvir as pessoas, as nuances das pronúncias, os dialetos. A visão do Monte Fuji, do Pavilhão Dourado, a sensação de imergir em um onsen (termas), de saborear sushis e okonomiyakis. Talvez as viagens intercontinentais, no futuro, sejam mais rápidas, mais baratas, e mais comuns. Hoje, para um cidadão médio brasileiro, é uma realidade possível, muito mais que no passado, mas ainda pouco provável.

O que quero dizer, leitor do futuro, é que se você estiver lendo este texto, é porque o meu sonho foi realizado. Se este texto, de alguma forma, sobreviveu aos tempos e chegou a vossas mãos, significa que no ano de 2016 eu recebi uma recompensa. Não lhe constrangerei em dizer qual, mas, ah, aquela fumaça que sai do incensário em frente ao templo de Asakusa é tão confortante e magnetizante… A cereja do bolo. Referenciando ao haicai de Guilherme de Almeida, minhas mãos nas tuas.

Mas o sonho de um estudante de japonês, caro leitor, pensando realisticamente, é apenas um grão de areia no terreno onde se construiu um sólido castelo. De um objetivo de se promover o intercâmbio cultural entre o Brasil e o Japão, extraiu-se uma das maiores escolas de língua do país, onde alunos, descendentes ou não, têm a oportunidade de aprender não só a língua japonesa, mas também a cultura nipônica. E nós, alunos, temos orgulho de fazer parte dessa construção. Não estamos aprendendo história, estamos participando dela, estamos fazendo história. Se você, no futuro de 2076, está tendo a oportunidade de estudar nesta escola, é porque há 120 anos alguém teve um sonho, e ao longo desse período, especificamente no meio do caminho, em 2016, muitas pessoas se empenharam para que esse sonho vá cada vez mais alto e longe. Seus administradores, funcionários, professores, voluntários, e nós, alunos. Você pode criar um empreendimento que dure 2 ou 3 anos. Mas 60 anos certamente não são obra do acaso.

Esse é um projeto de longo prazo que foi planejado, executado, com muito esforço, suor, sacrifícios. E também é um empreendimento que não ficou e não fica estacionado no tempo. Vemos que a escola se moderniza e se preocupa em estar adaptada ao seu momento na história. O curso que iniciei em 2013, chamado de Kodama, está encerrando seu ciclo. Foi substituído pelo curso Marugoto, cujo livro didático foi elaborado pela Japan Foundation. A Aliança tem parceria com a Fundação Japão de São Paulo. Não foi a primeira evolução do curso, e não será a última.

Além disso, a Aliança se utiliza de financiamento coletivo (crowdfunding) para a construção do Centro Cultural Aliança Brasil-Japão, que será a sede própria da entidade. O conceito de financiamento coletivo, que consiste na obtenção de capital através da contribuição de pequenas cotas por um grande número de interessados é bastante antigo. Chamamos de “vaquinha”. Com o advento da internet, o conceito ganhou uma nova roupagem, permitindo a participação de um número mais amplo e diverso de pessoas. No Brasil, em 2016, apesar de conhecido, o conceito ainda é pouco utilizado. Mas a Aliança, conectada aos modernos conceitos socioeconômicos, se utiliza dessa ferramenta permitindo que parceiros, alunos, amigos e entusiastas em geral participem da empreitada.

Fico imaginando o que teria sido diferente se meus avós tivessem a oportunidade inversa, a de estudar português quando chegaram do Japão nos primórdios da imigração, em uma escola tão estruturada. A língua sempre foi uma barreira nas minhas conversas com eles, e eles faleceram muito antes que eu pudesse, de fato, me comunicar na língua nativa deles. Por outro lado, apesar de se estabelecerem no Brasil por muito tempo, não tiveram a chance de aprender a língua portuguesa de forma estruturada. E essa limitação impôs barreiras de diversas naturezas, não só na fala com os netos. Provavelmente teriam melhores opções de trabalho e, como consequência, uma vida mais confortável. A verdade é que a escola, acima do plano acadêmico, é a real geradora de oportunidades em uma sociedade.

Resta-me, então, fazer um pedido ao leitor do futuro. Se deixamos esse legado, se ele sobreviveu através dos tempos, você tem uma responsabilidade. A responsabilidade de levar essa escola, esse sonho, esse núcleo cultural para as próximas décadas, séculos. Você não estará sozinho nesta caminhada. Fará parte dela, com seus colegas, amigos, professores, e demais colaboradores. Garanto-lhe que o futuro é recompensador. Ah, e se vir os meus netos pelos corredores, mande-lhes um abraço. Saudações do passado ao futuro.

Livraria Virtual

ACBJ - Aliança Cultural Brasil-Japão

Centro Cultural Aliança
Unidade Pinheiros
Cursos de língua japonesa, português para japoneses e artes orientais.
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São Paulo - Tel.: (11) 3031-5550



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